sábado, 24 de abril de 2021

SEM BOSSA

 




            Estávamos conversando sobre pontes, sobre a ideia, por vezes fascinante, de que ela une dois pontos de mundos diferentes separados por um corpo de água.

. Falou-se do barqueiro que havia antes da ponte, reforçando a ideia de passagem, de ligação que a ponte tem. Falou-se das rivalidades entre os que moravam de um lado da ponte e os que moravam do outro

A rivalidade é da natureza humana. 

            Ops!  Alguém retrucou: – Natureza humana é uma abstração!

            E outro alguém falou a respeito de canção que a Dulce Quental havia gravado nos 80, e que se chamava Natureza Humana, uma versão em português da canção Human Nature do Stevie Wonder.

            - Condição humana! Alguém exclamou, e concluiu - A rivalidade é uma condição humana.

            A conversa sentiu a nevoa da noite e esfriou. Durante o silencio predominante alguns copos foram enchidos com a cerveja espumante servida numa garrafa amarronzada de 500 mililitros. Quando o copo não contendo a espuma feita pela cerveja, transbordava um pouco do liquido sobre o balcão, o pano rápido do atendente o sorvia.

            Subitamente um dos presentes nos lembrou que a canção do Stevie Wonder tinha uma referência melódica da musicalidade do Burt Bacharach, que por fim, seria um tipo de musicalidade que alguns musicos americanos dos Estados Unidos criavam tentando copiar a nossa Bossa Nova.

            - Copiar o que? Bossa Nova é música americana! 

            - Calma! Calma! O que você está dizendo?

            - Aquela música chata, bossa-nova é música americana. Musica chata!

           - E Tom Jobim, Vinicius, João Gilberto, Carlos Lyra..gënios!.

            - Eles copiaram a musica americana, nunca entendi o sucesso deles. Não fazem música brasileira.

            - Você bebeu? Não consigo acreditar no que você está falando. Beira ao ridículo, me surpreende mais que minha amiga Joana que não gosta de banana.

            - Bebi e reafirmo! Quem gosta de bossa-nova chega a ser deprimente, e de fato, não é música brasileira!

            Um grito suspenso no ar. 

            Uma garrafa voando sobre as cabeças. A natureza, a condição.... sem bossa.

           

             

               

segunda-feira, 19 de abril de 2021

SAIDEIRA

 


O resto da cerveja contida na garrafa entornada, mal preenchera na altura da base do copo. O cidadão olhou firme nos olhos do parceiro que o acompanhava na bebedeira de 3ª feira, no balcão do bar, e proferiu:

            - Saideira?

            Sorriam enquanto o garçom dispunha a garrafa sobre o balcão, retirando com seu abridor amarrado a cintura, sua tampa metálica num zunindo espetacular:

 – Splot!

            Sorveram, beberam, falaram, a musica rondava o luar, o luar entrava no bar, o bar bárbaro dentro da noite civilizada, do ócio operante ante a sociedade, o luar.

Sorviam, bebiam, falavam, o mundo rodava, e a China acoplava, o Mundo açodava, o prefeito mandava, a cidade parada, o tudo e o nada, o passado aclamava, a musica tocava, sorviam, bebiam, falavam.

            O resto da cerveja contida na garrafa entornada, mal preenchera na altura da base do copo. O cidadão olhou firme nos olhos do parceiro que o acompanhava na bebedeira de 3ª feira, no balcão do bar, e proferiu:

            - Saideira?

            Sorriam enquanto o garçom dispunha a garrafa sobre o balcão, retirando com seu abridor amarrado a cintura, sua tampa metálica num zunindo espetacular:

 – Splot!

            Sorviam, bebiam e falavam. Na esquina do universo em verso, num canto do mundo omisso, no orifício do vácuo, no ante eterno espaço, conjugados, acomunados com os bares distantes, os estares delirantes, ante o ocaso do vício, do prazer existêncial, do elixir sensorial, das entranhas da superficialidade, sorviam, bebiam e falavam, o pacto singelo da amizade, o pacto singelo da obrigatoriedade, o pacto singelo da sinceridade.

            O resto da cerveja contida na garrafa entornada, mal preenchera na altura da base do copo. O cidadão olhou firme nos olhos do parceiro que o acompanhava na bebedeira de 3ª feira, no balcão do bar, e proferiu:

            - Saideira?

 

 

 

segunda-feira, 12 de abril de 2021

A Que Horas Fecha o Bar?



    Se você se perguntar onde achar uma alma perdida na cidade. Uma alma, espirito da coisa, sem gênero, sem cor, sem crença, por vezes sem opinião; eu lhes respondo, a encontrara num bar. 
    Não em qualquer bar que por aí tenha, e há. 
    Tem que ser num bar sem muita bacanice, e que ao menos tenha um balcão voltado pra rua, um lugar, onde ninguém se importa com ninguém, e todo mundo com todo mundo só quando necessário.
     
    O bar, deve ter dito um sociólogo, assim espero, é a sala de estar de uma cidade. Há várias delas para todos os diversos tipos de pessoas.
    Neste tipo de bar onde ninguém se importa com ninguém, esteja certo, vez ou outra você encontrará uma alma perdida pendendo no balcão do bar diante de um copo vazio, cheio de suspiros.

 

    - Ah! Se eu pudesse voltar no tempo eu não faria o que eu fiz. Eu disse pra ela que eu errei, que o errado era eu. Mas não adiantou. Ela me deixou.

          - Eu vou te dizer que nenhum homem com que eu já me deitei me fez feliz, me fez sorrir sequer. Vou te dizer que com duas filhas já criadas, com uma carrada de coisa q fiz, desfiz e deixei de fazer, vou te dizer não sou, não fui feliz. Nenhum homem já me fez, na cama, sorrir.

- Te digo com certeza cara! Levanto as 5hs da manhã e antes de entrar no trampo eu para o carro um pouco afastado da nossa antiga casa, só pra ver ela sair pro trabalho.

- Tá vendo esta foto aqui! Mostrando o celular. 
- Ela me enviou agora mesmo. Está vendo. Novinha. Mas não vou puder ir hoje, minha sogra vai jantar lá em casa e minha mulher está me esperando.
    
    - Aquele bofe! Ai! Aquele bofe!

- Eu vou no banheiro, mas por favor, fica de olho nele, não estou certa do que ele está querendo aprontar. Mas por favor, fica de olho mesmo.

- A que horas fecha o bar?

- Na hora que o ultimo, ou a última, sair.

- Vou até o banheiro e já volto, pede outra bem gelada.

- As vezes acho que ele está olhando pra mim, mas pra falar a verdade aquele bandido que não liga mais, nem manda mensagem...

- A que hora fecha o bar?


- Bem agora que estou indo embora.
 

 


 

segunda-feira, 5 de abril de 2021

A OFEGANCIA



 

Em uma rua em Jacareí, onde um bar nunca fechou por décadas, certo dia um jovem cidadão adentrou-o ofegante, se postando de costas para a entrada e de frente para o balcão urrou, encarando os poucos presentes naquele recinto e que àquele momento bebericavam suas cervejas e o fitavam espantados com  o estardalhaço de sua entrada e de sua ofegancia.

O jovem cidadão, ofegante, proferiu:

- “O mundo vai acabar!”

O dono do bar impaciente retrucou:


            - “Saia daqui!”

            O jovem cidadão ofegante soltou uma gargalhada estéril, mas que por fim surtiu, pode-se ver, e retrucou:

- “Tô saindo! “  E saiu.

Mal deu tempo para que um dos frequentadores do bar dissesse:

- “Cada figura que aparece.”

Que o sujeito, o jovem cidadão ofegante com a camisa de botões totalmente desabotoada deixando aparecer parte do seu corpo magro, tão magro que se via suas costelas, e tão inexato por estar usando uma camisa social manga comprida de aparente boa qualidade, uma calça jeans do mesmo estilo e finalmente descalço, reapareceu na porta do bar e novamente proferindo aos brados que o mundo iria acabar.

Um frequentador bem humorado avisou:

“Já acabou.”

O jovem magro ofegante voltou-se pra rua e a ficou a fitando por alguns segundos, voltou-se para o frequentador do bar, e com os olhos arregalados falou:

- “Puta que o pariu! Acabou mesmo!”

E partiu em disparada pela rua de paralelepidos, imerso em seus pesadelos gritando:

- “Socorro! Socorro!”.