sábado, 19 de junho de 2021

O Povo Unido



        Foi numa tarde esquecida pelo tempo, fim dos anos 70, que eu estava caminhando numa rua movimentada no centro da cidade de São Paulo. Um grupo teatral estava fazendo uma performance num largo ao lado de onde se iniciava um calçadão, ante pessoas alheias que passavam por ali como um cardume de peixes apressados, ainda que uns engravatados com pastas pretas, óculos escuros ou não, paravam olhando em volta como que perplexos ante aquele emaranhado de paredes sem céus, tudo cinza e branco misturado as cores de camisetas, camisas e as mantas marrons do grupo teatral.

        Meus olhos se fixavam num gesto mirabolante de um dos integrantes do grupo teatral quando ouvi o som pela primeira vez daquele tambor solitário. No meio da multidão, iluminado, um ser sem cor, sem idade e sem sexo, tocava seu tambor e cantarolava incessantemente

         – O povo unido jamais será vencido! O povo unido jamais será vencido!

        Aquele ser passando como que em câmara lenta no meio da multidão apressada, repetia o mantra e caminhava adiante sem parar, passando, atravessando a corrente.

        O povo unido jamais será vencido!

        Naqueles dias cheguei a ver este ser em outras paradas, em outros momentos, o vi pisoteado nos dias de diretas já. Vi ele de soslaio num dia de caras pretas pelas ruas de uma cidade do interior. Vi ele numa favela abandonada na beira da estrada de rodagem. O vi no exterior numa tarde esquecida num parque, entre fileiras embandeiradas de gente alegre festejando o que chamavam de democracia. O vi numa sala escura com tantos olhos iluminados, lacrimejantes sorrindo para não chorar, acreditando no futuro. 

    O vi em alguns filmes e fotografias, surreais, reais, escondidas, publicadas, esquecidas através dos tempos. Vi ele em ocasiões esporádicas.

    Ontem de tarde, levei um susto. Estava meio que esquecido diante do computador lendo notícias pensando em escrever. De repente escutei vindo da rua aquele batuque familiar, surdo, e a voz, agora fina, mas firme, dizendo repetidamente

    - O Povo unido jamais será vencido!

-     O Povo unido jamais será vencido!

        Olhei pela janela, já havia virado a esquina.

        Cadê o povo?

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